
Os vaqueiros destacam-se entre os participantes da 10ª Romaria do Caldeirão, que relembra a trajetória de luta do beato José Lourenço, na Região do Cariri (Foto: Antônio Vicelmo)
Cerca de 800 pessoas, vaqueiros, agricultores e membros de organizações religiosas, estiveram na 10ª Romaria
Crato. O meio ambiente, a questão racial, o mapeamento das comunidades negras e indígenas do Cariri e o desenvolvimento sustentável foram os temas da 10ª Romaria das Comunidades ao Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, uma manifestação popular promovida por associações religiosas e comunitárias que tem como objetivo lembrar a experiência socialista liderada pelo beato José Lourenço, de 1930 a 1936. Durante seis anos, o beato liderou uma comunidade religiosa que vivia da oração e do trabalho, no sitio Caldeirão, a 30 quilômetros do Crato, de propriedade do Padre Cícero Romão Batista.
Sob a liderança do beato Zé Lourenço, a comunidade transformou o sitio Caldeirão num celeiro de produção agrícola do Cariri. Ali foram instalados engenhos de rapadura, oficinas de ferreiro, sapateiros, tecelagem, projetos de irrigação, casa de farinha, além de grande produção de frutas, legumes e criação de animais.
As autoridades militares e eclesiásticas da época consideram o comportamento da comunidade uma ameaça à ordem e a segurança. Para o poder dominante, "era o nascimento de uma célula comunista, formada por um grupo de ´fanáticos´ ".
Com base nesses conceitos e preconceitos, forças militares, procedentes de Fortaleza, invadiram o Caldeirão e obrigaram o beato e seus seguidores a desocupar a área. A comunidade foi aprisionada com uma cerca de arame farpado. As casas de taipa foram incendiadas e os bens foram saqueados. "Apesar da violência, não morreu ninguém", contam os remanescentes do Caldeirão.
O massacre, que resultou na morte de cerca de 400 pessoas, ocorreu no ano seguinte, em cima da serra do Araripe, na localidade denominada "Mata dos Cavalos", onde os seguidores do beato tentaram organizar outra comunidade. "Ali sim, a violência foi brutal", descreve o escritor J. De Figueiredo Filho. "O que nós lembramos aqui é o exemplo de organização comunitária de uma comunidade trabalhadora, explica a ativista da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Angelita Maciel, conhecida por "Nininha".
Este episódio triste, que envergonha a história do Ceará, está sendo lembrado pelas organizações populares, com o apoio da Igreja, como exemplo de trabalho, organização, reforma agrária, resistência, vida comunitária e desenvolvimento sustentável. Dentro dessa visão, a comunidade do Caldeirão, segundo o padre Vileci Vidal, coordenador da CPT, reflete os anseios de milhares de trabalhadores rurais sem terra que continuam lutando por espaço para criar suas famílias.
Vileci fundamentou a sua homilia, citando a mensagem de Cristo: "Eu vim para que todos tenham vida com abundância". A comunidade, sob a liderança do beato, seguiu este ensinamento: "Aqui todos viviam com alegria, rezando e trabalhando", destacou. Ao fazer este comentário, o sacerdote criticou o capitalismo marcado pela inveja, a ganância e a rivalidade.
Deu no Diário do Nordeste
ANTONIO VICELMO
REPÓRTER