A vida aos 80 anos - Fernando Henrique Cardoso
A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos - Fernando Henrique Cardoso
A soma e o resto: OS QUE ESTÃO VIVOS E OS MORTOS
No fundo estamos condenados ao mistério.
As pessoas dizem, eu gostaria de sobreviver além
da minha materialidade...
Eu não acredito que vá sobreviver mas , pelo menos
na memória dos outros, você sobrevive.
Vivi intensamente isso com a perda da Ruth. Olhando para trás, é claro que ela estava com um problema grave de saúde.
Vivi intensamente isso com a perda da Ruth. Olhando para trás, é claro que ela estava com um problema grave de saúde.
Apesar disso fizemos uma viagem longa e fascinante
à China. É como se o problema não existisse.
A gente sabe que um dia vai morrer e no entanto
vive como se fosse eterno.
Depois da morte de Ruth e, mais recentemente, de outros amigos, como Juarez Brandão Lopes e Paulo Renato, eu me habituei a conversar com os que morreram. Não estou delirando. Os mortos queridos estão vivos dentro da gente. A memória que temos deles é real.
Depois da morte de Ruth e, mais recentemente, de outros amigos, como Juarez Brandão Lopes e Paulo Renato, eu me habituei a conversar com os que morreram. Não estou delirando. Os mortos queridos estão vivos dentro da gente. A memória que temos deles é real.
À medida que vamos ficando mais velhos, convivemos
cada vez mais com a memória.
Conversamos com os mortos. Por intermédio da Ruth,
passei a lembrar mais dos outros que morreram, dos meus pais, meus
avós.
Os que morreram e nos foram queridos continuam a
nos influenciar. O que não há mais é o contrário. Não podemos mais
influenciá-los.
Eu não penso na morte. Sei que ela vem. Já senti a morte de perto. Não em mim. Senti a morte de perto nos meus.
Eu não penso na morte. Sei que ela vem. Já senti a morte de perto. Não em mim. Senti a morte de perto nos meus.
E procuro conviver com ela através da memória. Os
que se foram continuam na minha memória e eu converso com eles.
Minha mãe, meu pai, minha avó, minha mulher, meu irmão, meus amigos que se foram são meus referentes íntimos.
Minha mãe, meu pai, minha avó, minha mulher, meu irmão, meus amigos que se foram são meus referentes íntimos.
Tudo isso constitui uma comunidade – posso usar a
palavra – espiritual, que transcende o dia a dia.
Então, a morte existe, ela é parte da vida, é angustiante, não se sabe nunca quando ela vai ocorrer.
Então, a morte existe, ela é parte da vida, é angustiante, não se sabe nunca quando ela vai ocorrer.
Eu só peço que ela seja indolor. Não sei se
será. Ninguém sabe como e quando vai morrer.
Pessoalmente, tenho mais medo do sofrimento que
leva à morte do que da morte propriamente dita.
Se não é possível ter a pretensão utópica de sobreviver como pessoa física, é possível ter a aspiração de viver na memória, começando por conviver com a memória dos que se foram.
Isso tem alguma materialidade? Nenhuma. Isso é
científico? Não é. Mas é uma maneira de você acalmar sua angústia
existencial.Se não é possível ter a pretensão utópica de sobreviver como pessoa física, é possível ter a aspiração de viver na memória, começando por conviver com a memória dos que se foram.
"Os mortos queridos vivem dentro de nós. Os que morreram continuam a nos influenciar. Nós é que não podemos mais influenciá-los."
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