Mauro Santayana
O HOMEM MORCEGO, O GAROTO DE KRYPTON , OS EUA E O CONTROLE DO ENTRETENIMENTO.
O recorde batido por Batman x Superman no Brasil, de maior bilheteria arrecadada em um fim de semana de estreia – quase 35
milhões de reais - com um roteiro abaixo de crítica e direito, nas
filas intermináveis, a adultos vestidos de camisetas com desenhos de
morcego e crianças a partir
de 12 anos com roupas de super-homem, não é apenas o símbolo da
indigência cultural e intelectual de parte de uma classe média que
reclama da crise, mas gasta mais de 100 reais para comprar três
ingressos e um “combo” de pipoca com refrigerantes
de máquina, para lotar até a última poltrona os cinemas de shopping,
correndo o risco - dependendo do lugar - de passar calor ou ser mordido
por mosquitos, ou pegar uma conjuntivite com óculos 3D tão sebosos quanto janelas de fábrica.
Pode-se alegar que se trata, apenas, de uma diversão “leve”.
Mas não o é.
Do
ponto de vista da comunicação de massa, essa “conquista” conforma,
também - com a mistura de heróis da Marvel e da DC Comics com as cores
da bandeira dos EUA, e as alusões de sempre a terroristas e agentes do
governo norte-americano, e a descendentes de ex-moradores da Cortina de
Ferro - uma celebração ao sucesso da América do Norte em produzir
entretenimento superficial, artificial e rasteiro, e em fechar o ciclo
do controle desse entretenimento - e da involução mental de gerações -
com o domínio das grandes cadeias internacionais de cinemas, do conteúdo
dos blockbusters nelas exibidos, dos canais de TV a cabo –
sempre os mesmos, com os mesmos filmes e séries, em qualquer lugar do
mundo – e dos softwares de computação e de busca e exibição de
conteúdo, por meio de empresas como Microsoft, Google, Youtube e
Netflix, por exemplo.
Junte-se
a isso o domínio do armazenamento e do fluxo de informações pessoais,
privadas e empresariais com o controle dos grandes cabos oceânicos – que
quase sempre passam por território norte-americano – e o monitoramento
de agências como a NSA e as grandes redes de TV aberta – o Brasil é
emblemático neste caso - que têm de defender o american way of life para continuar dispondo de acesso a filmes e séries Made in USA -
e percebe-se como é ingente a luta por oferecer alguma alternativa
autóctone, do ponto de vista cultural e histórico, às populações de cada
país e de cada região do mundo, e como são essenciais mecanismos que,
com todos os seus defeitos, tornem possível disputar minimamente essa
luta injusta e desigual de David contra Golias, como a tão criticada
Lei Rouanet, os editais da ANCINE, ou o Fundo Setorial Audiovisual, que
teve uma importante vitória, no início deste mês, quando o Supremo
Tribunal Federal suspendeu liminar que desobrigava as grandes operadoras
de telecomunicações – graças ao governo FHC, em sua maioria controladas
por capital estrangeiro - de pagar a taxa do Condecine – destinada ao
financiamento de produções nacionais de cinema e televisão – cuja
arrecadação, neste ano, pode chegar a 1 bilhão de reais.
O
controle do universo do entretenimento pelos EUA não drena apenas
bilhões de dólares gastos por dezenas de milhões de brasileiros, a cada
vez que eles vão ao cinema, pagam sua internet, compram um produto
multinacional anunciado na TV aberta, veem um vídeo em um site de
streaming, ou pagam a mensalidade da TV a cabo.
Ele também limita a imaginação, a capacidade de criação e de realização de gerações de lobotomizados e fecha a porta, a milhões de jovens, do entendimento real do mundo que os cerca, justamente na fase da vida em que se processa a sua formação, abrindo caminho – como diria a direita - para a implantação de “ideologias exógenas”, e para o culto a símbolos nacionais e a instituições – como as forças armadas – de outros países, em um processo de permanente, contínua, lavagem cerebral.
São
coisas assim, aparentemente anódinas, que ajudam a explicar porque cada
vez mais pessoas que até algum tempo atrás eram apenas imbecis simples,
padrão 1.0, estão se transformando rápida e repentinamente, em
imbecis-fascistas, babosos e pavlovianos, com a mesma velocidade de
propagação viral geométrica com que multidões de figurantes atacados por
mortos-vivos se contaminam, logo depois de serem mordidos, e se
transformam – correndo para estraçalhar com os dentes em riste quem quer
que surja à sua frente- nos ensanguentados e pavorosos zumbis dos
filmes norte-americanos.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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