MPF obtém decisão do TRF5 que permite prosseguimento de ação penal sobre esquema de corrupção na SPU no Ceará
Decisão de 1ª instância havia recusado o recebimento de denúncia do MPF contra acusados de esquema de regularização de terrenos de marinha.
Ao julgar recurso proposto pelo Ministério Público Federal (MPF), a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) determinou, por unanimidade, o prosseguimento de uma ação penal contra quatro acusados por associação criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro no Ceará. De acordo com a ação movida pelo MPF, o grupo era formado por dois homens, que captavam clientes, e dois servidores públicos, que cobravam propinas por serviços ilegais de consultoria para a regularização do uso de imóveis, especialmente terrenos de marinha, junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
O acórdão do Tribunal reverteu uma decisão da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, que havia rejeitado a denúncia do MPF contra os investigados, por entender que a acusação de corrupção passiva não havia individualizado os crimes. Com o acórdão, a ação prosseguirá para a fase instrutória contra os acusados.
A denúncia é fundamentada em depoimentos, análises de e-mails, mensagens de celular e movimentações financeiras, a partir de laudos elaborados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Polícia Federal (PF). As investigações identificaram casos de atuação do grupo em empreendimentos hoteleiros, empresas de pescados e imóveis em diversas praias do litoral do Ceará. O esquema criminoso operou, entre 2016 e 2021, em Fortaleza e em diversos municípios cearenses, como Itapipoca, Amontada, Itarema, Acaraú, Cruz e Camocim.
O MPF aponta que o grupo era liderado por um empresário, responsável por captar clientes e gerenciar as finanças ilícitas, que contava com a ajuda de um despachante, que atuava como intermediário. A estrutura contava também com um ex-auditor federal de finanças e controle da CGU, que se aproveitava de sua experiência prévia na SPU para coordenar as operações. O quarto denunciado é um servidor administrativo da SPU, considerado o "braço estendido" do grupo dentro do órgão, fornecendo informações privilegiadas e praticando atos administrativos em favor do esquema.
Para ocultar e dissimular a origem dos valores obtidos ilicitamente, o grupo utilizava diversas técnicas de lavagem de dinheiro. As investigações revelaram o uso de contas bancárias de terceiros, especialmente de familiares do empresário, e depósitos e saques fracionados em dinheiro em espécie para evitar fiscalização. A maioria das operações era realizada abaixo do limite de R$ 10 mil, para evitar monitoramento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
As investigações também revelaram que o prédio da Receita Federal do Brasil (RFB) em Fortaleza (CE), onde a SPU e a CGU funcionam, era um ponto comum de encontro, reunião e, por vezes, de distribuição de lucros do grupo, adicionando um elemento de audácia ao esquema. Inclusive, os dados bancários evidenciaram que grande parte dos saques de valores em espécie das contas bancárias usadas no esquema ocorreram em terminal de autoatendimento localizado no prédio.
A denúncia detalha que os integrantes do grupo são acusados por reiterados atos de corrupção passiva, sendo o líder do grupo em oito ocasiões distintas, o ex-auditor federal por dez vezes, o servidor administrativo da SPU por quatro e o despachante por duas ocasiões.
Decisão do TRF-5 – Ao dar provimento ao recurso, o TRF-5 confirmou o entendimento do MPF de que a denúncia apresentava os elementos necessários para o início da ação penal, com a devida individualização das condutas de cada um dos quatro réus. A corte citou precedentes jurídicos que afastam a necessidade de identificar o corruptor ativo para a configuração da corrupção passiva e a exigência de apuração prévia em processos administrativos tributários para caracterizar a lavagem de dinheiro.
Com a decisão do Tribunal, a denúncia é formalmente recebida e os quatro acusados serão citados para apresentar defesa. A ação penal seguirá para a fase de instrução, na qual as provas serão produzidas.
Pedidos da denúncia – O MPF requereu a condenação dos envolvidos por associação criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a aplicação de penas acima dos mínimos legais e o ressarcimento de danos morais coletivos no valor mínimo de R$ 65,7 mil. Além disso, o órgão solicita a perda do cargo público para o ex-auditor federal e o servidor da SPU, bem como a interdição para o exercício de função pública e a suspensão dos direitos políticos dos acusados.
Ação Penal nº 0816619-03.2024.4.05.8100