O presidencialismo e a conspiração vermelha
Mauro Santayana
Informações publicadas pelo jornal
O Estado de S. Paulo,
na semana passada, dão conta de que a Procuradoria Geral da República
teria enviado ao STF pedido de reversão da decisão do Ministro Teori
Zavascki, de afastar da órbita da Operação Lava Jato, ações que não
pertencem à sua jurisdição, como a relacionada à Eletronuclear, já
encaminhada para o Juiz Marcelo Bretas, da Sétima Vara Federal, no Rio
de Janeiro.
O pedido estaria baseado em duas justificativas, a de
que “aponta “ação” (sic) de uma “sistemática” (sic) criminosa igual à
investigada na Petrobrás” e a de que “um esquema único de “compra” de
apoio político teria nascido na Casa Civil em 2004, com o objetivo de
garantir a governabilidade e a permanência no poder. Para isso, segue o
texto, “teriam sido distribuídos cargos em diferentes áreas do governo,
gerando uma “máquina” “complexa” e estruturada de desvios para financiar
partidos, políticos e campanhas eleitorais.”
Ora, se a questão é a
“sistemática” ser igual, todos os crimes de latrocínio, por exemplo,
deveriam ser investigados por um mesmo grupo e julgados pelo mesmo
magistrado, já que têm uma mesma mecânica e um mesmo resultado.
Um
único juiz ficaria responsável por todos os crimes de tráfico de drogas
do país; a outro, seriam encaminhadas todas as ações relacionadas a
estelionato, e vários inquéritos, envolvendo corrupção e financiamento
indireto de candidatos e partidos, como o Mensalão “Mineiro”, o
escândalo dos trens de São Paulo, e dezenas de outros, ainda dos tempos
das privatizações, nos anos 90, também deveriam ser encaminhados ao Juiz
Sérgio Moro, se – como demonstra a sua atuação no Caso Banestado – ele
viesse a agir com o mesmo “rigor” e “empenho” com que está agindo agora.
Neófitos em política – ou exatamente o contrário – os
procuradores que encaminham o pedido ao STF (segundo a matéria,
“ligados” ao Procurador Geral da República, Sr. Rodrigo Janot); assim
como os seus colegas e o juiz que estão envolvidos com a “Operação Lava
Jato” tentam, já há tempos, transformar, aos olhos do país, em uma
sofisticada e acachapante conspiração, o que nada mais é do que o velho
Presidencialismo de Coalizão em seu estado puro.
Um sistema com
todos os defeitos e eventuais problemas de uma democracia em
funcionamento pleno, que se desenvolve – como em qualquer lugar do mundo
- na base da negociação de interesses de indivíduos, grupos de pressão,
partidos políticos, funcionários públicos de confiança e de carreira e
empresas estatais e privadas.
Sem obras – casas, pontes, estradas,
refinarias, usinas hidrelétricas, ferrovias, navios, plataformas de
petróleo - não há desenvolvimento e não existem votos.
Desde que
o mundo é mundo, e não desde 2004, como quer nos fazer acreditar a
Operação Lava Jato, votam-se verbas para obras – aí estão as emendas
parlamentares que não nos deixam mentir – indicam-se diretores de
estatais, loteiam-se cargos entre partidos aliados, apresentam-se
empreiteiras para a sua execução, realizam-se os projetos e as empresas –
preventivamente - para evitar ficar de fora das licitações, ou
antipatizar-se com gregos e troianos, financiam partidos e candidatos de
todas as cores e de todos os matizes, porque não têm como adivinhar
quem vai ganhar que eleição, ou qual será a correlação de forças que
sobrevirá a cada pleito.
Esse esquema funciona, assim, desde os
tempos do Império e da República Velha e se repete nos Estados, com as
Assembleias Legislativas, e nos municípios, com os executivos e câmaras
municipais, e, se o PT conspirou ou conspira para “manter-se no poder”,
na essência e na lógica da atividade política, ele não faz mais do que
faria qualquer outro partido;
Ou há alguém que acredite existir agremiação política que tenha como “objetivo” programático o abandono do poder?
Nisso,
o PT, e os outros partidos, fazem o que sempre fizeram os chefes
tribais, desde que deixamos de ser coletores e caçadores e nos reunimos
em comunidades, ou os políticos gregos, ou os imperadores romanos, ou os
reis medievais, ou os partidos e forças que antecederam a ascensão do
próprio Partido dos Trabalhadores ao Palácio do Planalto, que, para
manter-se nele, chegaram até mesmo a mudar o texto da Constituição
Federal, para passar no Congresso – em polêmica e questionável manobra -
o instituto da reeleição.
A Democracia - e o Presidencialismo de
Coalizão, ou o Parlamentarismo, em que muito menos se governa sem
negociação e conciliação de interesses - pode ter defeitos, mas ainda é o
melhor sistema conhecido de governo.
Tendo, no entanto, problemas
– e sempre os terá, em qualquer país do mundo, pois que se trata mais
de um processo do que de um modelo acabado - cabe à classe política,
que, com todas as suas mazelas, recebeu a unção do voto – todo poder
emana do povo e em seu nome será exercido, ou já nos esquecemos disso? –
resolvê-los e não ao Ministério Público, ou a um juiz de primeira
instância fazê-lo.
E, muito menos, inventar com esse pretexto, uma
teoria conspiratória cujo único objetivo parece ser o de garantir que
se lhe transfira, a ele e ao seu grupo, cada vez mais poder e força.
Até
mesmo porque, como todos os cidadãos, os jovens procuradores da PGR,
assim como os da Operação Lava Jato e o juiz responsável por ela, têm,
como qualquer brasileiro, suas preferências políticas, simpatias
ocultas, idiossincrasias, seu time de futebol do coração, sua confissão
religiosa, seu piloto preferido de Fórmula Um.
Afinal, como diz o ditado, o que seria do azul, se todos gostassem do amarelo?
O
que não se pode esquecer é que, se quiserem fazer política, devem
candidatar-se e ir atrás de votos e de um lugar no Parlamento, e não
misturar alhos com bugalhos, ou querer exercer atribuições que não têm, e
que não podem ter, nesta República, pois que não lhes foram conferidas
por mandato popular.
Deve, portanto, quem está à frente da
Operação Lava Jato, limitar-se, sem paixão, parcialidade, vaidade ou
messianismo, tecnicamente, ao seu trabalho, que pode ser exercido por
quaisquer outros policiais, procuradores ou juízes, em outros lugares
do país, respeitando-se a jurisdição, as regras e os limites impostos à
sua atuação, porque nem mesmo a justiça pode se colocar - como muitos
parecem ter se esquecido nos últimos tempos - acima da Lei e da
Constituição, cujo maior guardião é, como reza o seu próprio nome, o
Supremo Tribunal Federal.
Ninguém discute a necessidade de se
combater a corrupção, de preferência - como nem sempre tem ocorrido – a
de todos os partidos.
Ninguém também vai querer botar a mão no
fogo com relação a partidos que, depois de chegar ao poder, deixaram
entrar toda espécie de oportunistas, oriundos de outras agremiações, ou
nomeados por governos anteriores, que depois fizeram falcatruas no cargo
que estavam ocupando.
Como qualquer partido político, o PT teve
acertos e erros nos últimos anos, e deve pagar por eles, até mesmo
porque a imensa maioria de seus militantes é correta, nacionalista e não
andou por aí prestando “consultorias”.
O que não se pode aceitar é
pôr ao alcance de apenas uma pessoa, de um único juiz, um imenso
universo de milhares de empresas que realizaram negócios com o governo
federal nos últimos anos, em qualquer lugar ou circunstância, colocando,
automaticamente, sob suspeição, qualquer pessoa que tiver, em
princípio, feito negócios com qualquer uma dessas empresas.
Também
não se pode agir, como se partidos de oposição não tenham estado
envolvidos, antes e depois de 2004, em alguns dos maiores escândalos de
corrupção da história recente, dos mais antigos, como o do Banestado,
passando pelos mais simbólicos, como o do Mensalão “Mineiro”, aos mais
novos, como o do Trensalão Paulista – cujo inquérito está completando
seu primeiro aniversário na gaveta do Ministério Público de São Paulo -
todos abafados, ou conduzidos de forma a prescreverem, ou não se punirem
os seus principais envolvidos, não lhes acarretando - por parte da
justiça, ou da mídia, até agora - quase que nenhuma conseqüência.
Também
não se pode acreditar que só o governo federal possa corromper, porque,
como explicam os que acreditam nessa fantasiosa teoria conspiratória, é
a União que teria a "caneta".
Como, se, por acaso, a oposição
também não tivesse a sua, em alguns dos principais estados e municípios
do país, como é o caso, emblemático, de São Paulo, unidade da Federação
na qual arrecada – e administra - aproximadamente 150 bilhões de reais
por ano em impostos, há mais de duas décadas.
Não podemos agir
como se a corrupção, no Brasil, tivesse sido inaugurada com o
estabelecimento de uma espécie de Protocolo dos Sábios do Sião, do PT,
ao urdirem uma conspiração nordestino-bolchevista internacional, com
estreitas ligações com o "bolivarianismo", e o "perigosíssimo" Foro de
São Paulo, para dominar a América Latina, e, quem sabe - como o "Pink" e
o "Cérebro" do desenho animado - o mundo.
Uma conspiração
“comunista” que passou o país da décima-terceira economia do mundo, em
2002, para a oitava maior, agora; que pagou, rigorosamente, sem
contestar, toda a dívida que tínhamos com o FMI; que emprestou
generosamente – e por isso também tem sido acusada – dinheiro do BNDES
para empresas privadas, não apenas nacionais, mas também multinacionais;
que acumulou mais de 370 bilhões de dólares em reservas internacionais,
aplicando-as majoritariamente em títulos do seu, teoricamente,
arqui-inimigo, Estados Unidos da América do Norte; que deu aos bancos
alguns dos maiores lucros de sua história; que praticamente duplicou a
porcentagem de crédito na economia; e diminuiu a dívida líquida pública
pela metade nos últimos 13 anos.
Como se,
anteriormente, partidos não negociassem alianças e coligações, nem as
financiassem, como fez o PT, no caso da Ação 470, ajudado em um
empréstimo, pago, depois, a um banco, obtido pelo Sr. Marcos Valério,
que, claro, para o Ministério Público, ao que parece, é como se nunca
tivesse trabalhado para o PSDB antes.
Como se os 12 Sábios do Sião
do PT, reunidos, bebendo cachaça, em algum boteco do ABC, tivessem
resolvido, inédita e insidiosamente, em certo encontro secreto,
primitivo e clandestino, corromper a pobre classe política nacional -
tão ingênua e impoluta como um bando de carneiros - e também o
empresariado brasileiro.
Como se, anteriormente, nenhuma
empreiteira fizesse doação de campanha, ninguém fosse a Brasília para
conseguir obras, não existisse lobby nem Caixa 2, políticos e
ex-políticos não prestassem “consultorias” a empresas particulares, e
nem se montasse a negociação de partidos para aprovação de medidas
provisórias, como, ou de emendas, como, por exemplo, lembramos mais uma
vez, a da reeleição do Sr. Fernando Henrique Cardoso.
E a Nação
dormisse, inocente e serena, sonhando com flores e passarinhos em berço
esplêndido, e tivesse sido despertada violentamente, de repente, por um
emissário do inferno, vermelho e barbudo como o diabo, que chegou do
Nordeste de pau de arara, para acabar com o seu sono e conspurcar-lhe,
covarde e impiedoso, a virginal moralidade que ostentava antes.
Finalmente,
se formos nos deixar dominar pela imaginação e pelo delírio
conspiratório, qualquer um poderá pensar e afirmar o que quiser.
Até mesmo que pode haver, mesmo, uma conspiração em curso.
Mas não para entregar o Brasil ao PT ou ao comunismo.
Mas
para derrubar, usando como biombo uma campanha anticorrupção pseudo
moralista, seletiva, dirigida e paranóica, um governo legitimamente
eleito há pouco mais de um ano.
Trabalhando deliberadamente para
chegar, de qualquer forma, e o mais depressa possível, à Presidente da
República, na tentativa de tirá-la do Palácio do Planalto da forma que
for possível, com um jogo escalado e proposital de prisões sucessivas e
de “delações”.
Uma espécie de “corrente” no qual uma pessoa é
presa – seja por qual motivo for (na falta de provas, muitos podem
imaginar que se estejam produzindo “armadilhas”, suposições, ilações,
combinações) e delata outra, que também é presa e passa a participar,
obrigatoriamente, da trama, delatando também o próximo da “fila” – ou o
novo degrau de uma escada que até mesmo no exterior já se imagina aonde
vai chegar - sob pena, caso se recuse, de permanecer anos e anos na
cadeia sem nenhuma garantia ou perspectiva real de proteção por parte do
direito ou da justiça, enquanto bandidos apanhados com contas de
milhões de dólares no exterior vão sendo, paulatina e paradoxalmente,
soltos.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.