Mauro Santayana
- Uma
das principais frentes da campanha atual contra a Petrobras está no
discurso de entrega aos gringos de várias porções da empresa, tanto por
meio da venda de ativos como de mudanças nas regras que garantem a
continuidade de seu papel de operadora nos poços da camada pré-sal, a
maior descoberta da indústria do petróleo do último meio século.
Embalados pelas acusações de desvios e prejuízos na empresa – já passou
da hora de os petroleiros interpelarem a diretoria e eventualmente, a
PricewaterhouseCoopers, para que provem os “desvios” de R$ 6 bilhões
incorporados ao balanço do início do ano passado –, os entreguistas de
sempre continuam a dizer que os estrangeiros não investem no setor do
petróleo no Brasil por causa das regras do pré-sal, da lei de conteúdo
nacional, do Marco Regulatório do Petróleo e da excessiva intervenção do
governo. Esse discurso não passa de grosseira manipulação e de uma
tentativa rasteira de se enganar desinformados e de se alimentar os
trolls antinacionais em seus raivosos ataques na internet.
Com
os preços atuais, as grandes empresas multinacionais de petróleo não
entrariam no mercado brasileiro nem na exploração, nem na operação,
mesmo que as reservas que ainda não estão em fase de exploração lhes
fossem entregues de graça. Em primeiro lugar, porque não dominam, a
exemplo da Petrobras, o conhecimento que permite extrair o petróleo do
pré-sal a preço competitivo, mesmo com um preço internacional de US$ 30 o
barril. E, depois, porque com o preço lá em baixo a ordem é enxugar a
oferta para ver se a cotação volta a subir no futuro.
Essa
é a tese do diretor da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol,
entrevistado por um jornal brasileiro, no mês passado, no Fórum
Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Birol afirmou que, embora haja
expectativas “muito positivas” com relação ao aumento da produção do
Campo de Lula pela Petrobras, não há espaço para a entrada de empresas
estrangeiras no Brasil, em projetos futuros, até que haja uma eventual
recuperação dos preços.
Levantamento
feito pela consultoria britânica especializada em petróleo Wood
Mackenzie, reproduzido pelo Wall Street Journal, também no início do
ano, mostra que as multinacionais ocidentais estão tão propensas a
investir que estão cortando 68 grandes projetos no mundo. Isso em
lugares onde já estavam instaladas, contando, ao contrário do Brasil,
com ampla liberdade de ação.
Em
2015, a redução de custos do setor, que inclui investimentos, foi de
US$ 380 bilhões. Apenas na segunda metade do ano passado, 22 projetos
foram interrompidos, relativos à produção futura de 7 bilhões de barris
de petróleo e gás equivalente. A grande maioria deles fica em águas
profundas – como o pré-sal – e localizada nos Estados Unidos, Canadá,
Moçambique, Angola, Cazaquistão e outros países.
Do poço à bomba.
Em
um cenário como esse como alguém pode falar, em sã consciência, em
“abrir” o setor aos estrangeiros? O maior ativo da Petrobras não é o
pré-sal. O seu principal diferencial estratégico – o que ela tem que
suas concorrentes estrangeiras não têm – é o mercado brasileiro. Nenhuma
outra grande empresa de petróleo possui, com o país de origem, a
ligação e as possibilidades que a Petrobras tem com a quinta maior nação
do planeta em população, e a oitava maior economia do mundo.
Essa
é uma situação que lhe permitiria ampliar, com a adoção de um amplo
cronograma coordenado, articulado, sua margem de ganho, sem aumentar o
preço para o consumidor. Mas como fazê-lo? Com certeza, não vai ser com a
venda atabalhoada de ativos a preço de banana, como querem alguns,
principalmente o filé do negócio, situado na ponta da comercialização,
como a Gaspetro.
Nem,
muito menos, com o seu esquartejamento (já vimos esse filme com a
Telebras), como já começam a sugerir alguns espertinhos, omitindo, como
se imbecis fôssemos, que esse é, na verdade, o primeiro e quase que
imprescindível passo para a total privatização da empresa.
A
Petrobras já está cortando 30% de seus cargos gerenciais e extinguindo
diretorias, como a de gás, mas não basta trabalhar com cortes de custos –
que devem ser feitos com cuidado para não afetar o desenvolvimento de
tecnologia e a sua capacidade operacional. O momento também não
aconselha a venda de ativos na área petroquímica, como a participação na
Braskem, que produz em mercados como o México, que só agora está se
estruturando nessa área e que era atendido basicamente por importações.
A
venda da participação na BR Distribuidora também pode ser um tiro no
pé, principalmente se for feita em um momento como este. Depois da queda
no preço de suas ações, em janeiro, o valor da Petrobras tende a se
recuperar, já que está extraordinariamente baixo com relação aos seus
ativos.
Para
a maior empresa brasileira, o melhor caminho para enfrentar com sucesso
a crise internacional que o setor de petróleo está vivendo neste
momento pode ser, invertendo o raciocínio, investir na verticalização,
aprofundando-a do “poço ao posto”, eliminando o que puder ser eliminado
em custos e em intermediários, na cadeia que leva da produção à venda de
combustíveis e lubrificantes para o consumidor final, para maximizar –
sem aumentar o preço na bomba – seus ganhos.
No
Brasil, a margem de lucro dos donos de postos de gasolina é absurda,
embora todo mundo – muitos por razões que não têm nada a ver com o
interesse dos consumidores – ponha a culpa na Petrobras e no governo. Em
Brasília, segundo recente levantamento, postos cartelizados ganham R$
0,64 por litro de gasolina ou de etanol comercializado.
Quantos
clientes param para calcular quantos litros de combustível são vendidos
por hora no posto em que abastecem? De quantas horas de funcionamento
um desses postos de gasolina precisa, para pagar, com folga, com uma
margem de lucro dessas, os salários de seus funcionários? O descaramento
dos cartéis é tão grande – e eles se repetem em várias metrópoles
brasileiras – que depois de reiteradas denúncias o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica interveio no setor, no Distrito
Federal.
Com
as reservas do pré-sal consolidadas e a produção em franco crescimento,
a Petrobras deve se voltar agora para o seu objetivo final, o
consumidor interno, investindo na compra de distribuidoras e postos
próprios de gasolina. A Petrobras aumentou em 5% a sua produção no ano
passado. Os preços do petróleo tendem a se recuperar com o recuo da
produção, em países onde é mais caro extraí-lo, como os Estados Unidos,
um dos principais mercados consumidores do mundo.
Os petroleiros – e
os setores mais importantes da sociedade civil – têm de se organizar
para evitar o desmonte, o esquartejamento e a entrega da Petrobras a
qualquer preço. O governo precisa voltar a analisar a possibilidade de
capitalização da empresa, com a ampliação da participação pública,
aproveitando o atual preço das ações.
É
preciso aproveitar que os gigantes do petróleo não podem investir em
produção neste momento e nem querem dar ouvidos aos entreguistas –
deixando-os latindo ao vento – para consolidar, e não diminuir, o
fortalecimento da Petrobras no mercado nacional, em benefício do país e
da população brasileira.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo